sábado, 27 de fevereiro de 2010

A Trinta Metros do Chão



Que a tarde se oponha à manhã.
Que o sol recolha-se por um instante por trás de densas nuvens
E dê espaço à brisa que inicia este espetáculo, preparando nosso palco, nossa cama no terraço.
Que nossas peles não sejam tocadas por raios candentes, mas pelo frescor desta brisa que se opõe a nossos corpos em brasa
Que o ar se embebede do perfume de terra úmida, misturando-se ao aroma de sua pele desejosa de meus afagos, minha boca, minha língua e meu falo
Que este momento se prolongue por tanto tempo quanto eu puder tê-la envolta aqui, no calor de meu corpo, sentindo seu morno ofegar em meu ouvido, enquanto você se entrega completamente aos aferros de meu tesão.
Que o transbordar das densas nuvens alcance-lhe a face no exato momento em que eu estiver inundando-lhe de mim e, juntos, feneçamos por um doce instante.
Que chova no final da tarde.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Legítima Defesa

Já comprei muita briga dos outros. Senti-me ofendido por ofensas dirigidas a amigos. No entanto, descobri que nunca briguei por ninguém, mas por mim mesmo.
Sentia-me ofendido, injustiçado por motivos mil e, de repente, as brigas dos outros surgiam-me como emergentes, válvulas de escape para as minhas próprias angústias.
Também descobri que no fundo, ao comprar a briga dos outros, eu os subestimava e, consequentemente, sentia-me superior, o tal. Quanta arrogância! Infelizmente, muitas brigas comprei sem sequer me dar ao trabalho de apurar os fatos. Que babaca!
Ninguém precisa de minha defesa. Meus amigos sabem se defender. Não sou melhor que eles. Ser amigo não é isso. Isso é propaganda enganosa. É propagar-me como defensor dos oprimidos, tentando ganhar o troféuzinho de ouro, e, no processo, mimetizar minhas próprias dores e feridas e tentar reciclar a imagem negativa que tenho de mim mesmo.
Meu amigo, não o defenderei. Você sabe fazer isso muito bem. Conte comigo, mas não conte com a minha defesa. Permita-me resolver minhas próprias angústias no divã e permita-se crescer, parando de buscar cúmplices para suas causas. Não se esqueça de levar as luvas.  

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Com licença

Sai de meu caminho. É minha. É minha esta avenida. São minhas essas ruas. Quando tua mãe ainda experimentava a menarca eu aqui já gastava solado sobre essas lusas pedras.
Vês essa loja de departamentos onde vendem-se artigos descartáveis? Aqui já operou um centro cultural onde doavam-se e trocavam-se ideias perenes.
Achas teu jeans o ápice da modernidade em estilo? Pois sabe que muito sucesso ele fez em 1984, muito antes do Big Brother do Pedro Bial, bem depois do Big Brother do George Orwell.
Não me formei em 1981 com o já famoso Calixto, mas sou também um veterano, da turma de 1996.
Tem paciência, pois é por pouco tempo. Espera pelo meu desvanecimento que é iminente. Não te enganes com meus bíceps. Os joelhos não são mais os mesmos. Os solados já duram mais. As lusas pedras já se impõem contra minha cinética discretamente claudicante.
Aguarda até que eu esteja invisível. Até que minha imagem não mais consiga prometer aquilo que queres e que achas que estou pronto para te dar fortuitamente.  Olha para o lado. Ele também acha esse jeans o ápice da modernidade. Ele também adora assistir ao BBB, idolatra o Bial e ignora o George.
Segue em frente, mas sai de meu caminho. Não compreenderias as tatuagens em minhas costas, sequer conseguirias ver aquelas em meu peito, marcadas pelo Senhor Tempo. Não tenho tempo para explicações. Tenho urgência de realizar o que ainda não dei conta.
Seguirei daqui, rumo às ruas transversais cujos nomes, manhas e histórias tu ainda desconheces.  
Não te enganes. O dia chegará em que teu femoral repuxará e tentará impedir teu avanço. Até lá, entretanto, haverá poucas ruas, vielas, travessas e avenidas desconhecidas a ti. Desejarás o aconchego do familiar e repudiarás as balelas e frivolidades do novo.
Agora trata de apressar-te para que não percas o metrô, que já foi muito mais rápido e mais confortável. Mas disso tu não sabias e isso provavelmente jamais testemunharás. Não te entristeças, pois há um universo de parangolés familiar a ti e estranho a mim.
Segue em frente, mas por favor, sai da minha frente.  

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Fim de Festa

Findo o carnaval, a colombina colombiana volta sozinha para casa. Na mente, um saldo positivo de bocas beijadas, olhares trocados e novas promessas. Bocas cheias de cerveja, olhares nublados por tanta euforia e promessas vazias. Seu apartamento é demasiado pequeno para o tamanho de seu ego ainda inflado pelos eventos enganosos que acaba de experimentar.
 À medida que tira a maquiagem, entretanto, colombina sente seu entusiasmo murchar e o apartamento, repentinamente, crescer, acentuando-lhe a solidão.
Frente ao espelho, ela percebe os excessos. Excesso de cerveja; de comida; excesso de frituras; de noites insones; excesso de pele e gordura; excesso de idade. Já passou dos 40 e não há botox que prometa-lhe sensualidade. Pelo menos não a sensualidade como promessa de uma boa transa, posto que nossa colombina jamais aprendeu a se doar e nunca soube o que é transar direito. Sua filosofia sempre foi mais bancária do que pedagógica. Como poderia uma simples intervenção devolver-lhe o que nunca lhe pertenceu?
Sua arrogância lhe salva da depressão, mas não lhe poupa da realidade fria da cama. Tira a peruca, toma um banho e vai dormir. Sozinha. Amanhã, de colombina, só restarão cinzas. Ela acordará e dará de cara com a falta de azuis, amarelos e vermelhos em sua vida cretina. 

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Sou isso


Não espere de mim consistência, pois permito que os dias me toquem, me moldem e me modifiquem. Estou vivo.  

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A Brutalidade e o Conceito de Educação

Seriam brutais apenas os atos criminosos como um homicídio, um assalto à mão armada, ou um estupro?
Não seria brutal o extremo egocentrismo de quem leva seu cão a um bar, prende-o e o deixa latindo, incomodando a paz de quem deseja conversar e tomar um drinque?
Não seria uma brutalidade deixar seu filho pequeno gritar, se espernear e atazanar a vida de quem só queria tomar um café da manhã?
Não seria brutal uma mulher, carregando no ombro uma bolsa quase três vezes maior que ela, pegar um metrô lotado e achar-se no direito de continuar carregando-a ali mesmo, sem se importar com o incômodo causado nos demais ali espremidos?
Poderíamos considerar educado um sujeito que, no mesmo metrô lotado, insiste em manter a mochila nas costas, igualmente incomodando os outros?
Com a vida em um grande centro urbano, tenho refletido bastante sobre os conceitos de Educação, Caráter e Civilidade. Creio que sejam esses os três pilares da vida em sociedade.
Anos atrás eu me indignava quando alguém deixava de dar bom dia, boa tarde ou boa noite. Hoje, entretanto, tenho testemunhado tanta brutalidade no trato social que já não me choca a “simples” falta dessas saudações.
Max Weber introduziu o conceito de ação social e Seu Antônio, meu pai, o conceito de urgência e prioridade de correção; utilizo-me de ambos para tentar chegar a uma definição de educação que não se limite ao “dar bom dia”.
Para Weber, a ação social “é orientada pelas ações de outros. Isto é, ação social é todo comportamento cuja origem depende da reação ou da expectativa de reação de outras partes envolvidas. Essas outras partes podem ser indivíduos ou grupos, próximos ou distantes, conhecidos ou desconhecidos por quem realiza a ação”. 
Para Seu Antônio, como seres humanos gozamos do direito de ter todos os defeitos do mundo, mas temos por obrigação corrigir aqueles que impactam na vida alheia.
Agora, articulando as duas ideias, proponho um conceito de educação como um conjunto de ações e atitudes acompanhadas por uma reflexão a respeito das consequências que essas terão sobre a integridade física e emocional dos outros. Essa práxis sinalizaria o caráter do sujeito e seria, talvez, a pedra angular da civilidade.
No Plaza Shopping há um restaurante japonês, o Gueixa, onde tem um rodízio em que as porções são servidas em esteiras duplas, para atender ambos os lados do balcão. O que não falta é gente pegando uma porção da esteira do lado oposto ao seu, antes de chegar ao cliente que está naquele lado do balcão e que, por conseguinte, tem direito àquela porção. Seria incoerente duvidar do caráter desses sujeitos?
O respeito pelo espaço físico e emocional dos outros é, para mim, fundamental em qualquer nível de convivência social. Disse isso em outro post e repito: tem gente que só não está enjaulada por ser bípede e capaz de falar. Chegará o dia em que preferirei o convívio com vacas e porcos - os quadrúpedes, é claro.  

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

He who tried to be

From his urges to reinvent himself came his yearn to buy. Little did he know, however, that the more he purchased, the bigger the void would get. For there were no goods which could ever fill that gap. At the end of the day, bushed and empty, bent out of shape, hollow in the depths of his soul and angry to his very core, he crashed on his couch alone, staring at the ceiling. Too tired to contemplate on his deeds, he dozed off and dreamt. He dreamt of his perfect self, surrounded by perfect selves with perfect stuff and whatchamacallits, gadgets which promised the moon but hardly delivered a sigh of happiness which lasted for more than three seconds.
He woke up feeling empty, but reckoned it was time he grabbed a bite of the perfect sandwich he'd bought at the perfect health store. He looked around at the shelves of selves and smiled a pale smile. There was nothing else but those pieces of promises for him to hold on to.  The alarm went off. It was time to watch yet another installment of Big Brother. 

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Compartimentos



Às vezes em caixas. Outras, em gavetas. Outras tantas, no lixo. Falo de coisas diversas. Refiro-me aos brinquedos, que foram saindo de cena, um por um. Esconderam-se na caixa de um tempo que esvaiu-se à medida que se abriu uma lata de zinco contendo esta resina densa de maturidade. Falo de pessoas que já foram. Pessoas de cujas partidas lembro-me com pesar. Pessoas cujas partidas causaram-me alívio. Pessoas que demoraram a partir. Permanência indevida. Falo ainda de sonhos, ideias, planos e esperanças. Que longa existência de eterna reciclagem. Não sei o que é saudade. Tudo que foi, na maioria das vezes, foi tarde. O que fica são marcas, registros. E eu. Fico. Permaneço. Marcado. Alterado em pequenas áreas e esferas, mas, em essência, o mesmo projeto. 
Às vezes abro uma das caixas. Outras, verifico se algumas gavetas estão devidamente trancadas. Geralmente as caixas são o destino final dos capítulos que volta e meia releio. Dos brinquedos nos quais, vira e mexe, quero mexer novamente. Suas tampas facilitam o acesso. Alegro-me quando, ao abri-las, sou tomado de surpresa por uma peça do lego que salta e aterrisa no chão. Em uma das caixas, nunca me lembro qual exatamente, ficam as fotos, os filmes e restos de pele morta. Esses guardo para lembrar-me, no futuro não tão distante, do que se foi e deixou esses sulcos que se aprofundam lenta e sorrateiramente. São esses restos, nada ou ninguém mais, que me lembrarão da juventude que por ora ocupo-me de sugar até a última gota. 
Já fui parar em caixas e gavetas de outrem. Houve momentos em que fiz questão de me enfiar nelas. Fui também enfiado. Nada mais natural. Sei que não escaparei da última caixa, sequer da grande gaveta. Só não quero e nem preciso ver nenhuma das duas. Deixarei que cuidem disso quando eu os tiver deixado sem a promessa de um futuro retorno. Num futuro distante, assim espero. 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

“Que bom que as flores são de plástico. Durarão para sempre.”

Aqui dentro, Karin, grávida de alguns meses, lê um livro enquanto o marido, Gus, assiste à TV. A calefação os ajuda a enfrentar o frio. Do inverno e do tédio instalado pela rotina.
Lá fora, na garagem onde reside, Lars está feliz. Dança com sua namorada, Bianca. Não há nada rotineiro nessa relação. Pelo contrário. Lars está começando a se abrir para a vida, para as pessoas, para as interações sociais. Lars é um homem, um ser humano de carne e osso, desabrochando e derretendo os muros de gelo que o separam do mundo. Bianca é perfeita. Linda. Sensual. De látex. Acaba de chegar pelo correio. Veio em uma caixa de madeira. Lars a comprou em uma Sex Shop online.
Essa é a história contada pelo diretor Craig Gillespie, australiano radicado nos Estados Unidos. Lars And The Real Girl recebeu, no Brasil, o título A Garota Ideal e tem uma verve de filme europeu, inteligente e sensível. No universo criado por Nancy Oliver, Bianca surge como objeto transicional de Lars e um emergente psíquico para toda a pequena e simpática comunidade. Bianca, a boneca de látex, originalmente projetada para realizar fantasias sexuais, acaba ajudando Lars a substituir muros por pontes, fazendo o mesmo com todos que os cercam, inclusive a psicoterapeuta da cidade.
É difícil encontrar adjetivos para esta obra-prima. A direção é irrepreensível, os atores, fantásticos e a trilha sonora, um show à parte. É filme pra se ter em casa, na mesma prateleira de Embriagado de Amor e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças.  

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

É preciso que saibas



sinto-me pequeno diante de Tuas virtudes. não És modelo de perfeição, como ninguém o é. És, entretanto, admirável. admiro Teus textos, Tuas letras, Tuas construções, demarcações. amo Teus gestos altruístas. Teu olhar. Teu sorriso. Tua doação sem carta promissória. Encantas minha vida com Tua música, Teu charme, Tuas plantas, flores de um jardim tão fragrante quanto Tua pele. essa pele que perfuma o lado esquerdo da cama e acaricia-me o lado direito do cérebro.
temo perder-Te para o tempo, mas não perco tempo com minhas agonias paranoides. Estás aqui e é isso que me importa. estou Contigo. observo, aprendo, amo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Salve, Fervereiro!



Fevereiro tem cheiro e gosto de festa, frevo, ferveção. Hoje de manhã ouvi gente falando sobre carnaval. Quando parecia que o ano começara, a coisa voltou à paralisia imbecil que teve início na segunda semana de dezembro. Creio que 2010 só comece mesmo em maio. Dia 2, é claro, pois dia primeiro é feriado. Yes, we have bananas!