quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Caldeirão Familiar e os Terremotos no Haiti


Os móveis em meu apartamento estão na mesma disposição que seis anos atrás. Muito mais que um estilo de vida, esse fato é um sintoma, um sinal de quem eu sou. Por mais que eu tente me enganar com a ideia de que a flexibilidade está presente em meu caráter, no fundo sei que é uma enorme tolice. Filho de pai militar e de uma mãe cuja intransigência anda de mãos dadas com a arrogância feito duas primas egípcias (e, com o passar dos anos, essas duas mais parecem patas chocas), meu legado de rigidez praticamente acompanha-me o código genético.

Não vejo a hora de trocar o sofá – que comprei em 2002 -, mas o novo não ocupará outro lugar senão o mesmo do antigo. Essa história de lugar é coisa séria, sobretudo para quem aprecia com certa frequência a experiência ébria. Depois de um tempo, parece que o cérebro desenvolve um afeto ao entorno de tal forma que, quando embriagado, o danado se recusa a reconhecer novos layouts e insiste, como de pirraça, a orientar o bebum segundo as antigas disposições. Canela roxa é o resultado mínimo desse processo.

Ontem fiquei imaginando minha irmã Iara, grande herdeira das esquisitices de minha mãe – ela não admitiria isso nem com um revólver apontado para sua cabeça – reagindo aos terremotos no Haiti. Iara, que se borra de medo de mudar o status quo, foi batizada em homenagem à rainha do mar, mas na verdade é a rainha do Não Façam Marolas Social Club S.A. Flexibilidade é uma palavra que quando ela pronuncia, expele uma baba espessa pois sua língua engrossa e é repuxada para a garganta, conferindo-lhe um aspecto de louca. Sua filha, que já tem 28 anos, linda de dar friozinho na barriga, não pode namorar. Quer dizer, poder ela pode, mas a rainha louca pira. Todo e qualquer namorado que sua filha arranja é viado. Iara não pensa duas vezes antes de tentar sabotar os relacionamentos da filha. Quando o namorado não é uma bicha, o problema é da pobre Ana que é uma vagabunda. Talvez a tsunami de hormônios vivida pela jovem lembre à mãe do deslizamento de terra, pele e papa que ela vem experimentando.

Minha irmã mais velha é provavelmente a que menos parafusos tem fixando o cérebro. É louca de enlouquecer qualquer um. Foi a primeira vítima das alucinações fantasmagóricas de minha mãe, que a batizou de Uiraçaba, nome inspirado numa palavra usada por José de Alencar em seu romance não menos louco e incompreensível -Iracema (Alencar jurava tê-lo escrito em língua portuguesa.) A inflexibilidade de minha irmã chega ao extremo de ela não querer que ninguém a visite para não desarrumar a casa. Seu apelido entre nós é “A Louca da Torre”.

Meu irmão tem tanto medo que mudem seu mundinho que se trancafiou em algum buraco e não sai de lá há anos. Faz muitos anos que não o vejo. Creio que ele tenha criado raízes no chão e crescido como um carvalho.

Somos todos muito inflexíveis, temerosos e covardes. Só não perdemos o rebolado e ai de quem tente derrubar nossas máscaras de corajosos. O tempo escurece. Rola até furacão, mas é tudo muito mais barulhento do que prejudicial.

Queria ver essa família viver o caos que os haitianos enfrentam agora. Pó de merda é o que viraríamos, revelando-nos integrantes da famosa família do João Cocô.

2 comentários:

Ana Carolina Dias disse...

kkkkkkkk rachei, Antônio kkkkkk

Heitor Nunes disse...

Acho que ninguém passa incólume a um terremoto, né. Nem mesmo a mais inflexível das famílias. Mudar é preciso. ;))