quarta-feira, 30 de março de 2011

Estou indo

 

São fragrâncias. Flashes. Algumas fotos mentais empoeiradas. Outras que parecem ter sido tiradas anteontem. Resquícios SIDEruidosos de um eu que não mais existe em essência, mas que insiste na presença marcada com goivas numa alma outrora ar, hoje madeira. Toco em frente.

Ainda há dias em que o espelho retrovisor incomoda, sobretudo quando é preciso frear no sinal. Vermelho de raiva. Roxo de angústia. Desesperado, quero pisar no acelerador e seguir em frente. Descubro, não obstante, que seguir em frente sempre implicará em checar o espelho retrovisor.

As lentes ardem nos olhos, como se coladas aos globos. As pernas tensas e cansadas do intercâmbio ora a frear ora a acelerar. Os braços querem sucumbir, mas é preciso chegar. A vontade é de parar no primeiro acostamento, mas tenho de prosseguir. Já cheguei aqui, ora essa. O jeito agora é checar o combustível. Será o bastante para lá chegar? Onde, contudo, é lá?

Percebo então que não me deram o endereço. Não tenho bússola, muito menos GPS. Meu Norte é a necessidade de tocar em frente. Esse vazio é a imbecilidade que me acompanha. Sempre caiu-me feito luva. Abro o porta-luvas e pego uma bala de menta. O ardume sobe-me as narinas e chega aos olhos. É quando as lentes quase pulam para fora. E se o fizerem? E se eu não mais conseguir enxergar o caminho à frente? Poderei parar? Será prudente?

Respiro fundo. Não! Não respire tão fundo! Cuidado com a menta! As lentes! O caminho à frente! Cuspa essa droga. Não chupe, cheire. Não! O couro dos assentos. Não é o máximo? Não lhe conferem uma identidade? Quem precisa de Norte quando se tem assentos de couro? Com eles chaga-se ao Sul, ao Leste, impressiona-se no Oeste. Você é alguém. Só não estrague os assentos. E prossiga.

Os objetos no espelho retrovisor sempre parecem mais próximos do que realmente estão. São referências. Apenas. Referências. Talvez mais tarde dê para tentar mais uma balinha de menta.

Mudança

É.

Cansei

Daquele

Lado de lá

Prefiro este

Aqui, ora pois.

Não

me

peça

para

voltar

pois

meu

canto

é esse

aqui.

Não se preocupe.

É tudo provisório!

terça-feira, 29 de março de 2011

Papo Utilitário

 

PrazerEsperei até que ele concluísse aquela longa e minuciosa descrição de técnicas e aparatos para a prática onanística, que envolvia, entre outros, caixas de ovos e rolos de cartolina, e perguntei:

- Meu irmão, qual a fonte de tanta criatividade?

Ao que ele respondeu:

- Cara, na infância, eu não perdia nenhum programa do Daniel Azulay.

Doravante evitarei, a todo custo, lembrar-me da Turma do Lambe-Lambe.

sábado, 26 de março de 2011

Em Teu Aniversário

Nascestes em 26 de março, poeta. Íntimo da noite, contemplastes o relógio prateado e perdestes a hora de voltar, mesmo depois de tantos retornos sob a chuva congelante.

Não sou digno de prestar-te homenagens, mas não posso deixar de pensar em ti, nesta noite do teu aniversário, quando boa parte do planeta apaga as luzes e, a lua, a uma sublime distância, inunda o céu enquanto chora pelo vazio que deixastes no mundo em 1963.

Teus versos, contudo, ainda nos enchem de emoção. Descansa, poeta. Parabéns, poeta. Obrigado, Robert.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Banco, Filas e Salame Bizarro

 

2Sabe quando vamos ao banco com a simples tarefa de pagar uma única conta e, ao chegarmos lá, damos de cara com uma fila imensa? É quando começamos a rezar para tudo quanto é santo, anjo e querubim para que não haja officeboys na fila.

No meu caso, em 98 por centos das vezes, há. Os santos, anjos e querubins já até desligaram a conexão direta entre nós quando o assunto é banco. Lá estou eu, com uma porcaria de uma conta que não posso pagar no caixa automático porque a desgraçada só pode ser paga no banco de origem – onde não tenho conta – e, à minha frente, três officeboys – TRÊS! – com vinte e cinco contas em mãos. Os caras chegam a se escorar no balcão entre eles e o caixa que, na maioria das vezes, envolve-se em um papo para velório.

O pior é que este carma parece se estender ao supermercado. Sabe a fila dos frios? Pois é. Eu NUNCA peço mais que dois tipos de frios – queijo minas e peito de peru defumado – até mesmo porque lá não encontro mais nada que eu possa chamar de saudável. À minha frente, tem sempre um(a) desgraçado(a) pronto parta pedir duzentAs gramas (sic) de pelo menos oito itens. Coisas das quais nunca ouvi falar. Outro dia ouvi uma criatura pedir, entre os vários itens bizarros em sua longa lista, duzentAs gramas (sic) de salame siberiano. Siberiano?! Desde quando produz-se salame na Sibéria?! A criatura infeliz conhece salame siberiano, mas não sabe que “grama” como medida é masculino? Não me estenderei nisso, mas tratava-se de uma senhora gorda, dessas que provavelmente se queixam do colesterol.

Não quero tirar o direito de ninguém comprar quantos itens bem quiser, pagar quantas contas precisar ou até falar um português questionável. O que não entendo, entretanto, é por que não se criam filas distintas. Por exemplo, nos bancos, deveria haver um caixa para até duas transações, outro para mais de duas transações. O mesmo no setor de frios do supermercado. Dessa forma poderíamos evitar que a ida ao banco ou ao supermercado fosse um carma para todos.

sábado, 12 de março de 2011

Coisa de Barbearia


Minha quinzenal visita à barbearia é o único momento em que leio o jornal. O de papel. É lá onde eu me dou conta mais intensamente de que estou envelhecendo, e não é somente porque sem as lentes eu não conseguiria ler o jornal. De papel. Corto o cabelo no mesmo local há 12 anos e, com os anos, percebo a reduzida quantia de cabelos que caem na capa vermelha emborrachada em volta de meu pescoço. Não leio o jornal durante, mas antes do processo, enquanto aguardo minha vez. Durante o processo estudo a queda. Do cabelo. Cada vez mais grisalho. E da pele facial. Cada vez menos rija. Leio então suas linhas.
Que leitura formidável, então! Leio algumas passagens do primeiro capítulo e a descrição do garoto com menos de um metro totalmente ereto na palma da mão de um cara sorridente que o chama de amigo. Amigos que não se conheceram o bastante. Um amigo desperta ao som do derradeiro pa-pa-pa-pa do Esporte Espetacular e dá falta do tapete de pelos do peito do outro amigo onde repousava a cabeça. Foi-se. E foi-se sem que se conhecessem melhor.
Pulo então para capítulos repletos de pontos: no queixo, que se encontrou com o para-peito da janela. Na extremidade superior esquerda da face, próximo ao olho que não viu o obstáculo e encontrou-se com o mármore branco das escadas daquela varanda. Não faltam pontos sequer na cabeça, que chocou-se contra a quina de jacarandá, capa em volta do pescoço, faz-de-conta que é formiga atômica.
No título do capítulo quatro, há uma ilustração. Um trem de chocolate. Do tamanho da mesa. Velinha e presentes. O polegar da mão direita encolhido na palma para que todos vejam o que é celebrado hoje. Palmas para ele.
Lá pelo capítulo oito, as linhas descrevem outra casa, outra varanda, novos pontos. Pontos parágrafos. E de seguimento. Na mesma linha, travessão. E mulheres generosas. Umas na cozinha, outras frente à lousa. Algumas grávidas. Prenhas de sonhos e ignorantes quanto ao que o tempo já concebeu para seu futuro. Era uma vez histórias de terror. Era uma vez sustos noturnos causados por portas abrindo-se sozinhas. Era uma vez infância. Era só uma. Uma dessas, apenas uma vez.
São capítulos com discos vermelhos de vinil, rainhas do milho, rainhas do mar, iaras, marias e monicas. E aparece também um careca quase irreconhecível, com a cabeça inchada de tanto trabalhar ao sol com a enxada, feliz por entrar no quartel. Este se foi sem nunca ter ido. Não se tem notícias. Largou a enxada e ergueu um muro. De concreto. Por lá perdeu-se.
Um capítulo traz um serzinho lindo, com os olhinhos azuis que sorri apenas quando vê o tio. O tio que agora vai ter um sobrinho-neto de cuja gestação aquele serzinho lindo hoje se ocupa. É mais um capítulo, certamente ainda muito distante do epílogo.
Entre as muitas ilustrações, há um esboço daquela que recebeu nome de cesta de flechas escondendo-se no breu do quarto onde deu início ao tórrido caso de amor que perduraria a vida inteira, com aquele ruivo delgado e que provavelmente a deixará sem ar nos capítulos futuros.
Capítulo 27: a paixão e o completo investimento de tempo por quem não merecia sequer um segundo de atenção. Grandes lições, marcas implacáveis.
Capítulo 33: o amor pelo amor. Amor de ser humano. A mais doce, generosa, cheirosa e charmosa das criaturas. Trouxe Pinóquio, violão, Billy, goiabeira e alegria. Lindas marcas em capítulos com páginas de cores distintas. Destaque especial.
Fico na metade do capítulo 39. O barbeiro já espana, retoca e estica o braço para pegar o espelho. O outro. Quer mostrar a parte de trás. Um ano atrás eu ainda conseguia ver nitidamente a cicatriz. Talvez esteja na hora de trocar as lentes. Certamente é hora de ir.
Mais uma olhada no espelho à frente. Chega de reflexão. Em duas semanas tem mais. Duas semanas a menos. Ponto parágrafo.

sábado, 5 de março de 2011

Mais uma vez, colombina.


E o carnaval chegou! Inevitavelmente, lembro-me de nossa triste e solitária colombina, que envelhece, ressequida, sem afeto e amor. Seu resquício de juventude ainda a impulsiona a encher a cara de maquiagem e, mais uma vez, fazer de conta que é amada, desejada, querida.


Terá nossa colombina consciência de que o amor e o desejo a ela dirigidos são cobertos por uma densa névoa etílica e viral?
Seria tanta maquiagem capaz de encobrir-lhe as rugas e a maldade, sua vontade de destruir a felicidade alheia?


Colombina, a você, meu silêncio. Deixo-lhe ao encargo do som da bateria, do trio-elétrico, da gritaria. Deixo-lhe com suas marcas de perdas daqueles que partiram atirando-se das alturas. Aqueles gritos silenciosos, sei bem, ainda ecoam em seus ouvidos. Aquele corpo espatifado no chão é o símbolo de sua herança genética de destruição, do ódio e da vingança imbecil e descabida. Está em seu sangue. Uma destrói famílias; outra destrói a si mesma. E você, colombina, já destruída,  correndo contra o tempo já há muito perdido, tenta amortecer a própria queda ocupando-se em tentar destruir a felicidade de outrem.

Minha felicidade, todavia, não depende do som de trios elétricos, tampouco de baterias ensurdecedoras.

Aproveite. Não lhe restam muitos verões, colombina. Falta pouco para que sua invisibilidade ou quem sabe até sua ridícula decrepitude assolem  e lhe aflijam.  

Aproveite as cores, pois na quarta-feira, tudo voltará às cinzas. Tudo cinza nessa sua vida imersa em um lodo de insignificância.

Bom carnaval!