quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Amor e Pastilha de Hortelã


E ela conseguiu o que queria: conquistou aquele coração temeroso, de um sujeito traumatizado, ainda sangrando com as mágoas da relação anterior.
O brilho em seus olhos, seus gestos carinhosos, sua alegria, seu entusiasmo: tudo aquilo formava um conjunto extremamente cativante e envolvente. Tudo de que ele precisava.
Mais cedo do que ele esperava, entretanto, ela envolveu-se profundamente com o trabalho. Seus olhos não mais brilhavam como antes. Seus gestos carinhosos passaram a seguir uma espécie de protocolo amoroso, como se descritos em um manual. Sua alegria, ah, sua alegria... transformou-se em queixa. Nada mais prestava. Sua única fonte de entusiasmo parecia ser agora o trabalho.
Ele sorria silenciosamente. Chorava, às vezes. Era mais uma reprise do filme. Mais uma que não sabia o porquê de estar envolvida em uma relação. Como tantas outras, ela temia apenas ficar só. No entanto, não conseguia determinar o que realmente importava em sua vida. Ou talvez até ela já soubesse que nada mais além do seu trabalho importava tanto.
Continua envolvida em um caso amoroso ardente com as pastas, os documentos, os memorandos, as palestras, a fofoca corporativa.
Ele, por sua vez, sabe que é só uma questão de tempo. Logo ela descobrirá que as pastas, os documentos, os memorandos, as palestras e as fofocas não estarão em lugar nenhum quando sua juventude tiver se esvaído. Nenhum daqueles companheiros estará ao seu lado para relembrá-la de como era quando mais jovem.
Talvez ela olhe para trás e sinta vontade de voltar no tempo e voltar para casa mais cedo, quando ele só queria tê-la nos braços, acariciar-lhe o rosto, fazer amor.
Ou talvez ela consiga conquistar outro que se encante pelos seus olhos brilhantes, seus gestos carinhosos, seu entusiasmo... Mas isso já não mais pertence a ele.
O sujeito abre uma pastilha de hortelã e toca pra frente.

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