quarta-feira, 30 de julho de 2008

A Química da Felicidade



Cinco e meia. O toque de alvorada é precedido pela vibração arrepiante do plástico sobre a madeira. Êta mundo moderno do cacete. Já faz muito tempo que não vejo um relógio despertador, daqueles que aparecem nos desenhos animados. Aperto o botão no pequeno aparelho que passa grudado em mim o dia inteiro e o levo para o banheiro comigo. O desgraçado já está contando o número de passos que dou. No visor, o desenho de dois pezinhos ao lado de um número que é zerado imprescindivelmente à 0:00. Quando o desgraçado zerou da última vez, eu ainda estava tentando dormir. Tentava me esquecer do que insiste em ocupar meu campo mental. As contas. O trabalho. O mundo de coisas que preciso estudar. Amores de ontem, lembranças de hoje. Meu amor de hoje, gratificações imediatas.
Tenho apenas 20 minutos para escovar os dentes, ajeitar o freqüencímetro no tórax, colocar a camiseta, o short, o tênis, correr pra cozinha – 46 passos. A cozinha transformei num laboratório. Abandonei o liquidificador e agora uso um squeeze com um mixer. O dia mal começou e já estou viajando em órbitas bilíngües. Bato o dilatador, o Super Pump, engulo com dois D4 Thermal shock, que me deixam em um estado como se eu tivesse cheirado duas carreiras. Lavo o squeeze. Bato o Whey Protein, que bebo acompanhado por uma banana. Os aminoácidos! Cara, não posso esquecer de colocar os aminoácidos na mochila. Pronto. Cinco e cinqüenta. E toco pra academia. Tenho dez minutos pra chegar lá. Minha área foi abençoada, cercada por academias sorumbáticas, sucateadas, com instrutores gordos e lentos. Neurótico que sou, busquei qualidade e encontrei. No bairro próximo. Quatorze minutos a pé. Dez, correndo. E enquanto corro, eu me pergunto: “Que diabo é isso? Por que estou fazendo esse troço?” Vinte e cinco passos depois, lembro-me da última vez em que tirei a camisa e disse a mim mesmo que aquilo não podia ficar assim. “Putz, é mesmo!” Lembro-me então da primeira vez, um ano depois de dar início ao ritual, em que transei de luz acesa. Não tem preço. Os batimentos aceleram. Pena que o relógio está na mochila. Afinal, isto aqui é Rio de Janeiro. Acordo. Acelero a corrida. Sorrio. O vento meio gelado da madrugada já não me incomoda. O que importa é minha tranqüilidade, meu conforto. Os minutos, os passos, os batimentos, todos eles se encontram para formar uma equação meio que sem pé nem cabeça. Ah, como eu gostaria de ser dono dos meus desejos.




Só agora, ao me aproximar dos trinta e sete, é que eu me dou conta da importância da química cerebral sobre meus julgamentos, a forma com que vejo o mundo e enfrento as situações. Creio que não seja de causar espanto, uma vez que somente agora sinto os níveis das inas e onas despencarem ladeira abaixo. Obviamente, aos vinte e sete, ainda desfrutando de uma enxurrada de testosterona na corrente, não precisava recrutar coragem para quase nada. Era tudo lindo. Eram todos muito maneiros. O céu, mais azul. O Lula, uma esperança. Não que eu me sinta pra baixo, triste. Não sou depressivo, acho. Entretanto, ao sair da academia, após ter contraído vários grupamentos musculares e disparado uma boa dose de testosterona e endorfina na veia, volto pra casa sentindo uma felicidade inebriante. Meu cérebro volta no tempo e experimenta sensações... orgásticas. Então deve ser isso... Abandonei a nicotina e me entreguei à endorfina, à serotonina, à testosterona. Estou viciado. Vivemos num mundo lindo, cara! As contas, pago amanhã. Vai dar tudo certo. Ainda estou com um percentual de gordura abaixo de dez. A serotonina, acima de 100. Tem um cara lá na academia, um vascaíno puro músculo, que ri de qualquer comentário que ouve. “O Vasco tá na zona de rebaixamento” “kkkkkkkk. O Dinamite tá mais pra bomba do que outra coisa” Ri, e continua bombando os bíceps. Dez segundos depois, ele pára e comenta: “Tá foda, cara”. A melancolia do comentário não consegue ofuscar o brilho em seus olhos. Fico imaginando como seria se alguém dissesse: “Aí, brother: sua mãe morreu.” Acho que ele responderia: “kkkkkkk. Tá vendo? Eu mandei a velha malhar. Ela não deu ouvidos”. E dez segundos depois: “Pô, que merda, cara”.
Lembro-me do meu avô, aos 85, resmungando pelos cantos. E de minha avó, sofrida, dizendo: “Querido, você não era assim”. Pois é, vó: faltou contração. Desenvolvimento com rotação. Supino reto. Agachamento. Levantamento Terra. Salve a reposição hormonal!

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