domingo, 24 de agosto de 2008

No Abaeté da Princesinha do Mar




Quando pequeno, lá em Salvador, eu tinha a ilusão de que a qualquer momento eu poderia me esbarrar com um artista famoso, desses de vogais arreganhadas. Fantasiava a Gal passeando pelo Pelourinho numa manhã de domingo. Ou, quem sabe, o Caetano, numa tarde de sábado, fazendo compras no Mercado Modelo. A primeira vez que fui à Praça Cairu, vi um cara muito parecido com o Gil, mas logo descobri que era mais um entre tantos sósias do artista.
Ao receber a notícia da morte do grande poeta Caymmi, fiquei duplamente chocado: pela perda e pela perda. A perda de um grande artista e a perda da ilusão de que o pachorrento passava suas tardes numa rede de frente para o Abaeté. Porra nenhuma! Havia mais de quarenta anos que o bonachão se mudara para o Rio e daqui jamais arredou o pé.
Fiquei pensando na esquisitice da situação: “perái”: não seria mais natural que o povo baiano velasse por Caymmi? Quer dizer que o grande poeta baiano foi plantado para sempre no São João Batista?! Pára tudo. “Alguma coisa está fora da ordem”, como diria o Caetano. Tô com uma sensação estranha. Agora, sempre que penso no Caymmi cantando as belezas da Bahia e das baianas, imediatamente me vem aquela frase: VÁ AO TEATRO, MAS NÃO ME LEVE! E outra coisa que me vem à cabeça é a idéia de que no fundo, todo brasileiro tem a ambição de ser carioca ou paulista.
Vá com Deus, poeta. Abraços no Tom Jobim! Já sei até o que você dirá ao chegar lá: “Tom, o Rio continua lindo!” E sei que você dirá isso de cÓração!

domingo, 10 de agosto de 2008

Sexo, traição e milkshake

“-Alô, Pedro?
- Isso.
- Oi, é a Patrícia.
- Patrícia, minha gata, o que tá pegando? Você sumiu! Agora que a relação tava ficando mais gostosa...
- Pedro, tenho uma coisa pra te contar. Acho melhor você fazer um exame de sangue.
- Como assim? O que houve? Você tá doente?
- Olha só, não é nada grave, mas acho melhor você se cuidar. Hoje descobri que estou com clamídia.
- Que diabos é isso?
- Não sei explicar. Só sei que se você não cuidar, vai arder muito a sua uretra quando você for urinar.
- Ishi! E como você pegou isso?
- Não sei, gatinho. Acho que foi com meu marido. Ele deve ter pego com alguma vagabunda. Depois a gente se fala melhor. Vê se te cuida. Beijo.”




Não creio que a fidelidade faça parte do projeto básico da natureza humana. Acho que todas os dias faço uma opção por ficar com minha gata. É a única gata nesta cidade? Claro que não. Entretanto, é a gata com quem durmo. É a gata que deixa seu cheirinho na minha cama. É como ir ao Bob’s e pedir um Ovomaltine e de repente ver alguém passando com um shake de morango, que também é uma delícia. Fudeu. Tarde demais. Já paguei pelos 250 ml de Ovomaltine e não dá pra tomar os dois só porque são deliciosos. Se eu tomar os dois, o resultado não pode ser dos melhores: excesso de calorias, estômago alto, taxa de glicose elevada... Não posso deixar de admitir que o shake de morango é maravilhoso, só que muito obrigado, já paguei pelo Ovomaltine. Deixa pra próxima.
Acho essa história de amante extremamente cafona. Uma volta, pelo túnel do tempo, aos anos oitenta. Na época devia ser gostoso ter segredinhos idiotas, receber telefonemas escusos, sinais criptográficos... acho que a galera brincava de 007, sei lá. Acho mais moderno ser um cara livre. Ainda mais hoje em dia, quando alguns casais vivem relações abertas. É muito mais honesto, mais bacana. Porém, já percebi algumas pessoas se contorcendo quando eu disse que não traio. Parece que a fidelidade é um assunto muito mais delicado do que a infidelidade. Parece que o clube dos infiéis é tão numeroso em sócios que quando alguém se mostra contrário à prática, é taxado de hipócrita ou, como ouvi ontem de um grande amigo, “pretensioso”. Pois é. Tenho de fato a pretensão de me satisfazer com um Ovomaltine até a última gota e esperar uma próxima oportunidade para, quem sabe, tomar um shake de morango. Nada, entretanto, me impede de admirar e admitir a delícia do vermelhinho enquanto me delicio com o marronzinho. E a grande vantagem disso tudo: sem calorias em excesso, sem dores de cabeça, dores na consciência...

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Valeu, pai!

Rapaz, hoje assim, do nada, eu me lembrei da primeira vez que você me deu a mão para atravessar a rua. Com o rosto vermelho feito um pimentão, obedeci e paguei aquele mico. Bem em frente à escola. ‘Fala sério!’, pensei. Um tempo depois, você virou para mim e disse que era para eu olhar atentamente para um lado e para o outro, e dessa vez não me deu a mão. Comecei então a atravessar sem a sua ajuda. Essa foi apenas uma dentre as várias conquistas que fui alcançando a partir de sua orientação preocupada, sincera e terna.
Daí eu me lembrei do dia em que a professora me chamou para resolver aquela equação no quadro, pela segunda vez. A primeira tinha sido aquele desastre, mas você pegou no meu pé e passou o final de semana inteiro estudando comigo. A segunda, tirei de letra. Molinho! Com todo o orgulho, virei para a professora e disse:
- Foi meu pai que me ensinou.
E agora, vejo que não foi só eu quem pagou mico ou fez sacrifícios. Afinal, quem era a figura que colocava aquela fantasia vermelha, carregando um saco ridículo no Natal? Hoje entendo o brilho nos olhos do falso velhinho ao ver o meu rosto radiante.
E quem não conseguia assistir ao Globo Esporte até o fim? Eu, que havia adormecido ali no seu peito, acordava com a cabeça no travesseiro ao som do pa pa pa pa pa pa pa... Já não sentia mais o calor do seu peito que embalava o meu sono. Afinal, você tinha que voltar para o trabalho. Do contrário, o velhinho do saco não conseguiria me dar aquela bicicleta tão sonhada.
Como posso lhe agradecer por tanto, meu pai, meu companheiro, meu melhor amigo? Sabe, às vezes dá saudade de ter a sua mão para atravessar a rua. Caramba, como é bom ter alguém que nos guie como você me guiou! Volta e meia eu bem que gostaria de ter você pegando na minha mão ou no meu pé. Só que eu cresci, cara! Não tem cabimento! (Coisa nenhuma! É tudo pose!).
É muito bom ser filho. Melhor ainda, foi maravilhoso ser seu filho. Valeu, pai! Você foi dez!